A respiração fascial (The fascial breath)

por Andréia Kisner

Será que o diafragma é apenas mais um músculo? O artigo escrito por Bordoni e colaboradores nos instiga a irmos além do conceito de músculos isolados para uma visão global de como alterações em alguma parte do corpo podem repercutir até mesmo na nossa respiração – e por consequencia, na nossa saúde.

“A fáscia é todo tecido que contem características capazes de responder a um estímulo mecânico. O continuum fascial é o resultado da evolução da perfeita sinergia entre os diferentes tecidos, liquidos e sólidos, capazes de suportar, dividir, penetrar, alimentar e conectar todas regiões do corpo, da epiderme ao osso, envolvendo todas estruturas orgânicas e todas as funções” – definição da Foundation of Osteopathic Research an Clinical Endorsement (FORCE)


A fáscia influencia não só a expressão da parte material do corpo humano, bem como a transmissão de força através do sistema miofascial, a manutenção dos órgãos na sua posição e a postura e, além disso, pode influenciar também nosso estado emocional.
Aqui vai a tradução livre de uma parte do artigo:

“A fáscia diafragmática é composta por camadas que cobrem e dividem os septos e as fibras musculares (epimísio, perimísio, endomísio), bem como a ligação das diferentes partes musculares nas vértebras e costelas.

➡ Os pilares mediais afetarão as vértebras dorsais (D11-D12) e vértebras lombares (até L4 no máximo), apoiando-se no periósteo vertebral, através de um espessamento do tecido conjuntivo.
➡ Os pilares intermediários se fundem com seu próprio epimísio e com o epimísio do corpo do músculo diafragma e com o epimísio dos pilares intermediários.
➡ Os pilares laterais prendem-se à 12ª costela e com o epimísio e funde-se com o epimísio do psoas e do quadrado lombar.
➡ O corpo muscular do diafragma se funde com o epimísio na fáscia costal endotorácica, que por último cobre toda a porção superior do diafragma.
➡ A porção inferior do diafragma é coberta pela fáscia transversal, continuação da fáscia endotorácica.
➡ A área diafragmática posterior é coberta pela fáscia toracolombar. A porção central do diafragma ou músculo do tendão central ou centro frênico é tecido conjuntivo puro.

Outro passo à frente para entender o músculo diafragma é que não é apenas coberto, penetrado e feito de tecido conjuntivo, mas também o próprio tecido contrátil é tecido fascial. Todo o músculo do diafragma é fáscia. O tecido conectivo e o tecido contrátil derivam da mesma camada embriológica, o mesoderma.

O músculo diafragma é uma estratificação de múltiplas redes fasciais: fáscia transversal, fáscia endotorácica, fáscia toracolombar, centro frênico, epimísio, perimísio, endomísio, membrana basal, matriz extracelular, tecido contrátil.

Cada rede deve cooperar, permitindo ao complexo diafragmático contrair e relaxar durante as respirações ou para permitir que o diafragma realize outros objetivos como tarefas posturais ou permitir a passagem do bolo alimentar.
[…]

O continuum fascial tem uma “multidão” de receptores: terminações proprioceptivas mielinizadas (Ruffini, Golgi, Paccini); e terminações nervosas livres que são desmielinizadas e estão em contato com o periósteo, tecido conectivo visceral e com o músculo estriado. Todos os receptores no continuum fascial são designados para as funções de propriocepção, nocicepção e interocepção.

As rotas interoceptivas projetam informações para o centros medulares e para o tronco cerebral, onde são classificados para o córtex cingulado anterior e a ínsula dorsal posterior, via extensão tálamo-cortical. As aferencias do endomísio e perimísio sem bainha de mielina estão relacionados a neurônios aferentes mielinizados (fibras do tipo III ou alfa-delta) e não mielinizadas (tipo IV ou fibra C).

As fibras C podem ativar as áreas do cérebro envolvidas na expressão emocional (córtex insular); a deformação mecânica a qual um músculo é submetido estimula essas aferências, que alcançam a ínsula. A fáscia pode influenciar o estado de saúde, alterando o ambiente mecanometabólico, causando quadros clínicos de dor, inflamação e possível formação de tumor.

A deformação crônica do sistema miofascial faz com que os mecanorreceptores assumam o papel de nociceptores, por exemplo, na fáscia toracolombar, simulando uma síndrome de dor nas costas idiopática.

Uma diminuição no deslizamento dos tecidos fasciais causa um quadro de inflamação local, como verificado em alguns tipos de cervicalgia.

Uma posição alterada das fibras de colágeno, por exemplo, em um tendão, poderia alterar sua função mecânica, podendo causar dor, mas não inflamação.

Se as camadas e orientações fasciais de uma área anatômica perdem a capacidade de deslizar entre elas, a disposição das fibrilas de colágeno mudarão, e poderá haver um aumento da deposição de colágeno, criando um ambiente metabólico de inflamação e tensão mecânica anômala da matriz extracelular e do citoesqueleto.

Esta fibrose ou desmoplasia é um dos estímulos para criar e manter um fenômeno tumoral. Segundo uma corrente de pensamento, o excesso de produção de fator de crescimento beta (TGFβ) do tecido fibrótico é estimulado, o que irá aumentar a produção de colágeno e fibrose: um círculo vicioso para a invasão de células tumorais.

Manter uma posição ótima das fibras de colágeno, adaptada a uma determinada estrutura anatômica (músculo, articulação, cápsula visceral, meninges, etc.), significa manter a saúde.

O tecido fascial tem memória e consciência: “Não estamos lidando apenas com um tecido, mas com consciência.” “

Costumo dizer que quando atuamos com a terapia manual e com o movimento, a fim de reestruturarmos integralmente o corpo do nosso paciente e/ou aluno estamos contribuindo para a saúde do sistema como um todo.

Eu sigo os Trilhos Anatômicos para me guiar na análise da estrutura corporal integral, porque percebi que eles são MAPAS que me ajudam a atuar nas causas estruturais das dores e disfunções.

E embora, num primeiro momento, o objetivo seja tratar a dor, acabamos trabalhando localmente. Este conceito nos mostra locais distantes que possam estar contribuindo para os sintomas.

Assim, podemos agir no padrão do todo, modificando a saúde dos nossos pacientes e/ou alunos.

Seguindo no artigo (tradução livre):

“A deformação da célula é uma estratégia imediata para conhecer o ambiente externo e permitir que as estruturas que compõem a célula se adaptem, de acordo com o princípio da mecanotransdução.

Durante a deformação celular, ácido ribonucleico (RNA) e a interferência (RNAi) e ácido desoxirribonucléico (DNA) estão envolvidos, e são fundamentais para o aprendizado da célula, a memória do que aconteceu e para o transporte de informações fora da célula para outros tecidos. Desta forma, cada célula do continuum fascial pode comunicar-se com tecidos distantes.

No mecanismo de mecanotransdução, o citoesqueleto desempenha um papel importante, graças a um regulador metabólico [alvo da rapamicina (TOR)] que desempenha um papel importante na memória morfológica celular.

TOR influencia a polimerização de actina, que, por sua vez, coleta informações fora da célula por meio de ramificações que empurra contra o citoesqueleto, formando pequenas ondulações (lamelipódios) ou deformações mais pronunciadas (filopódios).

Esses fenômenos são transitórios. No final da actina, dentro da célula, reside a miosina que puxa na direção oposta à expansão da actina; nesse caminho, é criada tensão mecânica que sai e entra na célula. A jornada das informações de mecanotransdução é de microssegundos, com informações que chegam à célula, acessando os genes quase instantaneamente.

Outras estruturas que suportam a capacidade celular de perceber o que acontece fora da célula, para influenciar a morfologia e reter a memória de eventos de mecanotransdução são microtúbulos (MTs) ou proteínas associadas a microtúbulos (MAPs). Estas proteínas transportam vibrações (determinadas por variações morfológicas) e informações eletromagnéticas (criadas pelas mesmas vibrações) para o DNA e para outras células.

MAPs podem ser comparadas ao próprio sistema nervoso de uma célula, como o transporte da informação é rápido e influencia o comportamento de outras células e tecidos, é como espalhar um incêndio: “Este mecanismo pode ser comparado a uma percepção consciente”.

O tecido fascial tem memória, para melhor adaptação e consciência, ou seja, a capacidade de preparar as células na presença de um estressor (interno ou externo), por meio de formas de comunicação variadas e extremamente rápidas.”

O tecido fascial é comparado a uma estrutura de tensegridade, um termo que vem de um conceito de arquitetura.

Mas, como dizem os autores, “comparar o continuum fascial a uma estrutura de tensegridade sem levar em consideração a presença de líquidos, é como falar sobre o céu à noite sem as estrelas.”

FASCINTEGRIDADE é um conceito que leva em consideração não somente as partes “sólidas” do corpo humano, mas também nossos fluídos como a linfa, sangue e matriz extracelular.

Hoje vejo o corpo humano fazendo uma dança entre todos estes componentes que dão a forma para nosso corpo. Existe um movimento contínuo de conexão e troca de informações.

E esta “dança” deve ser livre e fluída nos permitindo todas as possibilidades de movimento musculoesquelético que podemos ver, e também uma infinidade de movimentos, como o pulsar dos nossos vasos e o movimento de nossas vísceras que são invisíveis aos nossos olhos.

Perceba na imagem todas as conexões entre estas estruturas que não são visíveis aos nossos olhos. A estrutura que conecta tudo é a nossa FÁSCIA FASCINANTE.


Através do nosso olhar para caixa torácica podemos perceber como está a função do diafragma, por exemplo.

E se a respiração não está ocorrendo como esperado, tridimensionalmente, já podemos ter uma ideia das repercussões que isso pode gerar. A “dança” já não será mais livre e fluída.

Como diz no artigo em questão: “O diafragma é tecido fascial, incluindo o tecido conectivo (epimísio, perimísio, endomísio, tendões, centro frênico) e a porção contrátil. O movimento diafragmático é complexo e é influenciado pelo “ambiente ao redor” e pela osrganização dos tecidos.”

Sabemos o papel do diafragma no corpo humano.

“O músculo diafragma cai dentro do continuum fascial.”

Você consegue perceber como é importante esta parada para olhar o seu paciente ou aluno?

Existe uma riqueza imensa de informações que podemos coletar simplesmente olhando a estrutura do corpo de uma pessoa.

Por que fazer isso? Porque, assim, você será mais assertivo sobre onde atuar com as suas abordagens para ir “além dos sintomas”.
E você, terapeuta manual e/ou do movimento, tem avaliado seus pacientes de que forma? Conte nos comentários!
E se fez sentido para você, lembre de compartilhar esse artigo com seus colegas.

Leia o artigo na íntegra DOI: 10.7759/cureus.5208 The Fascial Breath Bruno Bordoni, Marta Simonelli, Bruno Morabito

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