por Andréia Kisner.
A terapia manual é um recurso terapêutico que faz parte da nossa “caixa de ferramentas“. Mas quais os reais efeitos fisiológicos o toque terapêutico é capaz de promover?
A semântica do toque é caracterizada pelas propriedades físicas e emocionais do estímulo aplicado.
As propriedades físicas abrangem o profundo conhecimento de anatomia e biomecânica e sua administração está codificada dentro dos parâmetros da técnica descrita em termos de área de contato, localização do contato, intensidade e frequência do estímulo.
As propriedades emocionais estão relacionadas ao contato simpático com os pacientes, permitindo administrar o técnica usando um “tom afetivo” baseado no relacionamento não verbal e habilidades de comunicação.
Três dimensões do toque são considerados na literatura: toque analgésico, afetivo e somatoperceptual.
Hoje o post é sobre a dimensão analgésica do toque. Nos próximos dias falarei sobre os demais efeitos.
O toque analgésico: O toque é capaz de produzir a modulação da dor em uma área do corpo ao redor do local onde os estímulos dolorosos são administrados, simultaneamente, polarizando a detecção de sinal, diminuindo a intensidade da dor (Mancini et al., 2014).
Nesse sentido, a interação tátil parece atuar por meio da interação sensorial, em vez de simplesmente por distração ou outros processos cognitivos (por exemplo, diminuindo os níveis de ansiedade, hipervigilância e medo da dor) (Harper e Hollins, 2012).
Esta regulação da “base para o topo” (bottom up) dos níveis de dor (a analgesia tátil) parece ser uma expressão da função moduladora da dor de fibras Aβ nas vias Aδ e C, e pode ser mediada a nível do tronco cerebral via circuito neural subcortical.
Desde os primeiros estudos de Melzack e Wall (1965) sobre a teoria das comportas da dor para experimentos neurofisiológicos mais recentes (Mancini et al., 2014; Nahra e Plaghki, 2003), pesquisadores confirmaram o poder modulatório do toque.
O toque também é capaz de comunicar e despertar emoções.
A pessoa tocada pode reconhecer as emoções transmitidas pela pessoa que a está tocando, mas somente se o toque é contextual. O fato de estar em um ambiente terapêutico, com a expectativa de ser tocado, por si só prepara positivamente o cérebro para ser tocado. O toque sutil, pode estimular as fibras Táteis Tipo C (também chamado de “toque afetivo”), podendo gerar uma experiência prazerosa e relaxante e redução da dor.
Estes efeitos são mediados por sinais neuroendócrinos, incluindo a ativação de opióides endógenos, occitocina e vias dopaminérgicas.
Tocar com esta intenção, promove respostas emocionais positivas como: sentir-se seguro e relaxado, reduzindo os efeitos negativos relacionados ao estresse, via inibição do sistema relacionado as respostas à ameaças.
Quando o toque “certo” é aplicado, a terapia manual é capaz de produzir um duplo efeito de estabelecer uma relação empática e ajudar a remover as barreiras psicossociais envolvidas nas respostas emocionais do paciente.
Acredito que na prática precisamos estar atentos para as necessidades dos nossos pacientes. Assim poderemos perceber o que ele precisa e acessarmos nossa “caixa de ferramentas” para entregarmos resultados melhores.
Muitas vezes minhas estratégias do dia envolvem outras abordagens.
Gosto de usar o toque mais firme para intervir nas alterações estruturais, mas naquele dia o paciente pode estar precisando de um toque mais sutil, afetivo, para se sentir seguro e relaxado e sua dor acalmar.
Já sabemos que a dor é uma decisão que nosso cérebro toma, baseado em nossas experiências prévias.
A nova definição de dor é: uma experiência sensorial e emocional desagradável associada ou semelhante à associada a uma lesão tecidual real ou potencial.
Ou seja, a dor pode ser uma resposta à uma situação de ameaça, que pode ser real, ou pode apenas ser uma interpretação. Acreditamos que algo ruim, por exemplo, pode acontecer e todo nosso organismo responde ao que estamos “prevendo”. E pode não acontecer nada. Você já passou por isso?
Quando promovemos através do toque terapêutico as sensações de segurança e relaxamento, criamos um ambiente para que o sistema todo relaxe e a dor possa diminuir e até cessar.
Faz sentido pra você?
Além dos efeitos mecânicos das nossas abordagens manuais, a “terapia manual pode melhorar a percepção corporal do paciente, promovendo a reorganização das representações mentais do corpo (Longo, 2015), especialmente para aquelas representações corporais de regiões escondidas para a visão, como a coluna vertebral (Nishigami et al., 2015)”.
Por isso, tocar os pacientes e alunos em áreas que desejamos estimular o movimento articular ou ação miofascial traz grandes resultados. Ainda mais quando nosso olhar consegue identificar estas “zonas cegas” nos nossos pacientes e alunos. Esta propriedade de toque é chamada somatoperceptual.
“O toque do fisioterapeuta pode orientar o paciente para melhor encontrar a localização de dor e estímulos táteis na superfície do corpo (Puentedura e Flynn, 2016). Dessa forma, as técnicas práticas oferecem ao paciente a chance de discriminar entre estímulos seguros e ameaçadores, promovendo a percepção consciente de um corpo intacto. A percepção de que o corpo não está sendo ameaçado (Wand et al., 2016) reduz a ansiedade, e as respostas defensivas (Harvie et al., 2016)”.
Este tipo de efeito é tudo que queremos nos pacientes com dores crônicas, tendo em vista que a dor pode ser uma resposta a uma situação de ameaça, que não necessariamente é real.
Eu percebo que muitas vezes os pacientes evitam fazer determinados movimentos, para não sentir a dor. E muitas vezes, quando estimulo o mesmo movimento de outras formas a pessoa faz e se sente bem. Você já percebeu isso? O nosso toque manual conversa com o corpo do paciente, contando pra ele que está tudo bem, que ele está seguro.
“No geral, estímulos exteroceptivos fornecidos pelo fisioterapeuta podem promover uma percepção corporal integrada pelo paciente (Serino e Haggard, 2010). Recentes descobertas sugerem uma influência positiva do feedback visual na percepção dor (Heinrich et al., 2019).
Nesse sentido, as mãos dos fisioterapeutas pode agir de forma semelhante aos olhos dos pacientes, aumentando a sensação de propriedade do corpo (“Este é o meu corpo”), e melhorando a percepção de sensação global do corpo. (“Estou no controle do meu corpo”)”.
Certamente, intuitivamente, já sabíamos disso. Mas agora, temos a ciência nos mostrando como isso acontece e uma confirmação de que este efeito é real. E assim conectamos nossa intuição à ciência.
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Nossa…. Faz muito sentido! Faz todo sentido!!!! Obrigada por compartilhar seu conhecimento!
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