Dor Cervical – qual técnica usar?

Dor cervical é uma das desordens musculoesqueléticas mais comuns de ausência no trabalho e incapacidade. É estimado que 70% da população teve ou terá uma experiência de dor nesta região.

Inúmeros estudos correlacionam esta sintomatologia à alterações posturais, com a anteriorização da cabeça sendo a mais comum. Esta alteração da posição da cabeça tem sido associada com o aumento da dor no pescoço, região interescapular e de cabeça. E ainda, alguns autores sugerem uma associação entre o grau de anteriorização, dor na cervical e incapacidade. Outros autores, mostram uma associação entre alterações posturais da cervical e restrições da amplitude de movimento ativa da cervical.

Uma variedade de intervenções fisioterapêuticas tem sido utilizadas no tratamento da dor cervical mecânica, mas poucas tem se mostrado eficazes.

Tem sido sugerido que a TERAPIA MANUAL combinada com EXERCÍCIOS seria a intervenção mais eficaz no tratamento da dor cervical, mas uma revisão sistemática mostrou resultados não conclusivos na eficácia desta abordagem.

Nos últimos anos, os conhecimentos sobre o sistema fascial vem mostrando que a fáscia forma uma rede tridimensional que conecta todas as estruturas corporais envolvidas no controle e manutenção de uma postura eficaz. Desta forma, é preciso olhar para o padrão de todo corpo, e não somente para a região sintomática.

Muito mais do que verificarmos que a cabeça está anteriorizada com relação à caixa torácica, precisamos verificar o que levou a cabeça a adotar esta posição. E talvez, seja para compensar uma inclinação posterior da caixa torácica, por exemplo.

Acredito que uma das possíveis falhas nos tratamentos, seja o fato de serem aplicados somente no local que apresenta dor e disfunção.

No caso da cabeça anteriorizada, além de atuar em escalenos, rombóides e trapézio, seria necessário trabalhar em fáscia costoesternal, linhas anteriores dos membros superiores, pelo menos em peitoral maior e menor. E com certeza entre a pelve e a caixa torácica, após uma avaliação integral, em estruturas que possam estar inclinando, rodando ou deslocando a caixa torácica, levando a cabeça a adotar posturas compensatórias para alinhar nosso olhar a frente do corpo.

Os estudos científicos em geral, são desenvolvidos abrangendo apenas os segmentos comprometidos sem levar em consideração o padrão de todo o corpo. E este é um dado fundamental, antes de dizermos que este ou aquele método não funciona. Mas de qualquer forma, o número de estudos para mostrar a eficácia de técnicas de terapia manual, como a liberação miofascial vem crescendo consideravelmente.

Embora a liberação miofascial venha sendo amplamente utilizada na prática diária por terapeutas manuais, ainda não está claro sua superioridade com relação à outros protocolos de terapia manual na dor cervical especificamente.

O estudo de Fuentes et al. propôs avaliar a eficácia clínica da liberação miofascial manual na dor cervical mecânica ocupacional e a determinar se a técnica tem vantagens com relação a outros protocolos de terapia manual que não a incluam.

Neste estudo 59 pacientes com dor cervical mecânica ocupacional foram divididos em dois grupos:

Grupo de técnicas de terapia manual, que incluiu:

1) mobilização cervical anterior-posterior e deslocamento lateral
2) técnicas de energia muscular envolvendo inclinar a cervical lateralmente
3) técnica neuromuscular para restrição da rotação de C1-C2
4) inibição cervical
5) alongamento cervical: pós – isometria de trapézio, escalenos e esternocleidomastoideo.

Grupo de liberação miofascial, que incluiu as seguintes estruturas:

1) base do crânio, ajustando a relação do reto posterior da cabeça com a dura mater;
2) esternocleidomastoideo;
3) supra – hioídeo e infra – hioídeo;
4) liberação da fáscia retro – hioídea.

Vários aspectos foram avaliados antes, após 5 sessões, e imediatamente pós intervenção.

As variáveis estudadas foram

1) Avaliação da dor cervical pela escala visual analógica;
2) Incapacidade cervical avaliada pelo Indice de Incapacidade Cervical;
3) Qualidade de vida através de um questionário;
4) Amplitude de movimento ativa medida por goniometria; e
5) O ângulo craniovertebral.

Foram realizadas 10 sessões em ambos os grupos. Em ambos houve uma melhora significativa da dor e incapacidade funcional nas avaliações iniciais.

Com relação ao ângulo craniovertebral e a amplitude de movimento ativa da cervical houve um aumento estatisticamente significativo em ambos os grupos. Mas após 5 sessões houve uma diferença estatisticamente significativa entre os grupos.

O presente estudo mostra que os programas de intervenção, com terapia manual e liberação miofascial, são eficazes e clinicamente relevantes em reduzir a dor e incapacidade, melhorar a qualidade de vida, o ângulo craniovertebral, e a mobilidade ativa da cervical em pacientes com dor mecânica ocupacional.

Embora neste estudo não tenha sido encontrada uma diferença estatística significativa com relação a diminuição da dor entre os dois grupos, o próprio autor cita estudos em que a liberação miofascial foi aplicada em pacientes com dor cervical não específica mostrando uma redução significativa da dor.

Este estudo mostra ainda que a liberação miofascial é mais eficaz do que outros tratamentos em melhorar a qualidade de vida dos pacientes.

Além disso, mostrou a eficácia da liberação miofascial em corrigir a postura da cabeça, que ficou mais evidente após 5 sessões, quando se comparou os dois grupos.

Concluindo, os resultados deste estudo indicam que a liberação miofascial pode contribuir para corrigir a biomecânica cervicodorsal e melhorar a amplitude de movimento ativa da cervical.

Acredito que esta melhora seria ainda mais significativa se um TRATAMENTO GLOBAL fosse aplicado.

Mas cabe a nós, terapeutas manuais e do movimento, trazermos as abordagens globais para nossa prática diária.

E quem sabe, daqui há algum tempo, para a comunidade científica.

Precisamos urgente PARAR DE FOCAR SOMENTE NA LESÃO e um primeiro caminho é a avaliação integral. Se só olhamos o pedaço, nossa estratégia será no pedaço e nosso resultado, um pedaço do que poderia ser.

Fica o convite para a reflexão.

ANDRÉIA KISNER
Fisioterapeuta – Diretora do Instituto Actiuni

Pesquisa científica – Rodríguez-Fuentes I, De Toro FJ, Rodríguez-Fuentes G, de Oliveira IM, Meijide-Faílde R, Fuentes-Boquete IM. Myofascial Release Therapy in the Treatment of Occupational Mechanical Neck Pain: A Randomized Parallel Group Study. Am J Phys Med Rehabil. 2016 Jul;95(7):507-15. doi: 10.1097/PHM.0000000000000425. PMID: 26745225.

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